TIRO AÉREO EM CANOAS

Marcos Pontes
Abril 2009

O café da manhã foi comum, ovos mexidos, salsichas ao molho, pão, queijo, suco de laranja. Saímos do rancho conversando sobre o jogo de futebol da noite passada e a paranóia da namorada do Motta que ligou vinte e três vezes para o cassino durante as duas horas que jogamos na quadra desenhada no hangar.

Para quem não sabe, “rancho” é como chamamos o restaurante da Base Aérea. Da mesma forma, “cassino” não tem nada a ver com aquele lugar cheio de luzes, fichas e pessoas jogando roleta e pôquer. Cassino é o hotel da Base.

Estávamos na Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul. Era o treinamento anual de Tiro Aéreo do Esquadrão Centauro, o 3º/10º Grupo de Aviação. Nossa casa, Santa Maria, RS, não era longe, apenas 20 minutos de vôo de Xavante, AT-26 (Aermacchi 326). Naquela época, em 1987, o velho jato ainda cumpria bem sua função de treinamento e ataque ao solo dentro da Força Aérea. Todos nós, pilotos de caça, Centauros dos Pampas, conhecíamos bem aquela máquina, dentro da qual permanecíamos, pelo menos, por 200 horas de vôo a cada ano.

O treinamento de tiro aéreo era uma das fases previstas no plano de treinamento anual do esquadrão e precisava ser feito sobre o mar, em um local adequado, protegido pela Marinha da presença de embarcações que, caso ali estivessem, poderiam ser atingidas por nossos tiros “caindo do céu” como uma chuva de chumbo! A campanha de tiro aéreo era um evento muito esperado por todos os pilotos. Decolávamos de Santa Maria com praticamente todos os aviões disponíveis na linha de vôo. Ficavam apenas aqueles que estavam no hangar da manutenção e alguns reservas. Além dos Xavantes, também trazíamos um avião de apoio carregado com equipamentos usados para o treinamento, como alvos, cabos de reboque, tinta, metralhadoras .50 e muita munição. Além disso, vinham também todos os materiais usuais de manutenção e toda a equipe de solo. Uma grande operação logística. O treinamento ocorria ao longo de 25 dias, em média, durante os quais ficavam hospedados na Base de Canoas cerca de 20 pilotos, 10 mecânicos, 10 especialistas de armamento, 10 homens de apoio, 12 Xavantes, e muita vontade de vencer a competição.

No caminho do rancho para o hangar, além das gozações com a performance do Motta no jogo de futebol e o desespero de sua namorada, que provavelmente achava que ele estava passeando em Porto Alegre com alguma gaúcha tipo “top model”, também falávamos sobre como seria a missão daquela manhã.

– Atenção para não atirar enfiado, sem ângulo, atrás do alvo! – dizia Motta ilustrando a posição com as mãos imitando o alvo e o avião – O Portz quase me acertou quando eu estava rebocando ontem!

– Tem razão! Vamos ter cuidado com a segurança! Nada de “faca na boca” no circuito de tiro! – completou Matta, que era o piloto mais experiente da esquadrilha.

– Por falar em segurança, alguém já viu a previsão meteorológica para a área esta manhã? – perguntei.

Todos se entreolharam, mas não houve resposta.

Nossa conversa era interrompida de tempos em tempos pelo ruído dos jatos decolando e pousando em esquadrilhas de quatro aviões. O ar agradável da manhã de céu azul, típica do inverno dos Pampas, nos enchia de prazer e expectativa de um bom vôo, mas naquele dia, havia um “friozinho incomum na barriga”. A medida que nos aproximávamos do hangar, o assunto ia se concentrando nas técnicas, procedimentos e possibilidades do vôo que estávamos para realizar. A esquadrilha estava quase toda ali, caminhando junto, já em preparação para o que aconteceria no ar: eu (o número 3, ala direito, da esquadrilha), o Matta (o líder), o Motta (o número 2, ala esquerdo) e o Marino (número 4, o ferrolho). Faltava apenas o Mac, que voaria o avião reboque do alvo.

Chegamos ao hangar quinze minutos antes do horário previsto para o briefing. A movimentação era intensa. Tratores puxando pesadas fontes externas (geradores de energia elétrica movidos a Diesel, para a partida dos aviões), caminhões de combustível, carretas carregadas de munição, mecânicos, etc.

Subimos a escada lateral do hangar em direção ao “Teto Zero”, que era o bar/lanchonete do Esquadrão Pampa, o 1º/14º Grupo de Aviação, que era o dono da casa. O nome “Teto Zero” se referia à condição meteorológica de campo fechado, ou seja, a situação quando não há condições (teto ou visibilidade) suficientes para o vôo. Isso não era uma condição rara naquele lugar, de forma nenhuma. Assim, era muito comum prepararmos para os vôos e ficarmos aguardando na lanchonete por horas até que as condições melhorassem e pudéssemos decolar para cumprir as missões. Isso não era ruim. O pior acontecia quando o tempo na base “virava” de repente durante o vôo, nos deixando com pouco combustível e um grande problema para conseguir pousar. Infelizmente isso também era comum naquele lugar.

O Teto Zero era bem equipado. Mesas de madeira pesada, jogos de gamão, televisão, sofás de couro em estilo rústico, muito comuns no Rio Grande do Sul, e muitos objetos típicos da tradição gaúcha. Não faltavam cuias de chimarrão! Nas paredes, fotos de momentos antigos da história do esquadrão, pinturas retratando o F-5E Tiger (avião que equipava o Esquadrão Pampa) em operação, poesias e frases sobre a missão de ser piloto de combate. No bar ficavam as canecas de chopp dos pilotos locais, cada uma delas pintada com o “trigrama” individual do seu dono, todas penduradas e cuidadosamente alinhadas. Os trigramas eram conjuntos de três letras que serviam para identificar o piloto na escala de vôo. O meu, por exemplo, era “PTE” (Pontes), o do Motta era “MOT”, e assim por diante.

Ali, naquele lugar, eram bebidas as vitórias, os aniversários, comemorados os momentos bons e lamentadas as mortes dos companheiros. A vida profissional de um piloto de caça é intensa. Trabalhamos na administração da base ou do esquadrão, estudamos para nos manter atualizados com a tecnologia dos aviões, treinamos para as missões em condições que se assemelham ao combate, procuramos nos manter fisicamente preparados para as duras provas às quais os nossos corpos são submetidos durante o vôo de combate, cuidamos da segurança para nos mantermos vivos perante os inúmeros riscos, inerentes da atividade. Mesmo assim, com todos os procedimentos e cuidados diários, eventualmente um acidente acontece. Sempre existe uma possibilidade que não foi coberta, um segundo de distração, uma peça que não resistiu, um urubu descuidado. Convivemos com o perigo e suas conseqüências. A morte bebe conosco, assim como a nossa coragem em cumprir, com ou sem ela, a nossa missão pelo país. Com tudo isso, somos um grupo muito unido, vivemos cada momento, comemoramos juntos a vida e a amizade, sabemos o valor de cada segundo de convivência, sabemos do verdadeiro significado da palavra “amigo”.

– Cadê o Mac? – perguntou Matta.

– Ele estava no café – respondeu Marino. – Chegou quando já estávamos nos preparando para sair do rancho.

– OK! Então, vamos lá. Pontes, dê uma checada na meteorologia. Marino, ligue para a casa de pista para pegar o número dos aviões. Motta, ligue para a sala de tráfego e passe o plano de vôo, padrão. – comandou Matta. – Alguma dúvida? Nos reunimos na sala de briefing em dez minutos.

Todos nós conhecíamos a rotina perfeitamente. Não havia dúvidas. Ninguém perguntou nada. Cada um foi cumprir a sua tarefa.

Depois de dez minutos estávamos todos sentados na sala de briefing. Todos menos um, o Mac, que seria o rebocador de alvo naquela manhã.

Quando já nos preparávamos para começar a “busca” pelo piloto perdido, o Mac entrou afobado, mas ainda sorridente, pela porta.

– Desculpe pessoal! Reboque em posição!

– OK! – disse Matta – Esquadrilha completa, vamos para o briefing. Hoje nosso código de chamada é Beta Centauro….– e ele continuou com a rotina conhecida do briefing padrão de tiro aéreo por mais trinta minutos.

No final do briefing, como de costume, passamos pelo Teto Zero para um café antes de descermos para a sala de equipamento de vôo, onde ficavam os nossos capacetes, trajes anti-G, etc. Mac não nos acompanhou. Desceu calado, direto para o equipamento de vôo. O equipamento de vôo padrão de um piloto de caça inclui o capacete com máscara de oxigênio e microfone, luvas, prancheta, o colete de sobrevivência e o traje anti-G, que se enche de ar durante as manobras de forma proporcional ao fator de carga (“G”), comprimindo as nossas pernas e abdome para restringir a circulação sangüínea periférica e nos ajudar a resistir melhor ao “G”. Para aqueles que não estão acostumados com o conceito de fator de carga (“G”), podemos dizer que ele representa a aceleração à qual estamos sujeitos em um determinado momento. Por exemplo, estando em pé, parada na superfície da Terra, uma pessoa está sujeita a aproximadamente 9.8 m/s2 de aceleração, correspondente a uma vez a aceleração da gravidade (1 “G”).

Quando eu estava no espaço, as condições eram de praticamente ausência de gravidade, ou microgravidade. Isto é, naquele caso, estávamos em zero “G”, e o nosso peso era “zero” (lembrando da física que o peso é igual a massa vezes a aceleração da gravidade). Durante uma manobra de combate, em um avião de caça, o fator de carga, ou aceleração “G”, pode chegar até a 9 “G” (como eu já fiz no F-16 Falcon). Isto é, o peso de cada parte do nosso corpo é multiplicado por 9 durante essas manobras. Não é praticamente possível movimentar os braços ou a cabeça nessas condições. O esforço físico e fisiológico são enormes e mesmo com técnicas adequadas de postura, respiração e um ótimo condicionamento físico, ainda é muito difícil manter o fluxo de sangue na cabeça em valor adequado para manter a visão e a consciência em funcionamento normal. Note que a aceleração “G” longitudinal (da cabeça para os pés) no corpo tende a “empurrar” o sangue para as pernas, reduzindo a circulação na cabeça e, em conseqüência também a oxigenação do cérebro e dos olhos. Assim, o traje anti-G nos ajuda a resistir a essa tendência e manter algum fluxo para a cabeça, aumentando, em média, de 1.5 “G” o nosso limite de resistência antes da perda de consciência. Como referência, uma pessoa sem treinamento resiste a 6 “G” de aceleração longitudinal durante 6 segundos, antes de perder a consciência.

Quando chegamos no equipamento de vôo, o Mac já havia saído de lá.

– O Mac está estranho hoje – comentei – Alguém sabe de alguma coisa que está acontecendo com ele?

Como gerente de segurança de vôo do esquadrão, responsável por criar e implementar planos de prevenção de acidentes, assim como por investigar acidentes e incidentes no âmbito do esquadrão e na aviação civil, eu sabia que grande parte dos acidentes aéreos eram causados por pilotos “voando com a cabeça fora da cabine”. Isto é, a atividade de pilotagem é bastante exigente mental e fisicamente. Isso obriga que, a partir do momento em que colocamos os pés no avião, toda a nossa atenção tem de estar concentrada na nossa atividade de pilotagem. Tudo mais que pode distrair o nosso pensamento para longe do painel, como problemas pessoais, planos futuros, etc, deve ficar no solo. O fato do Mac estar tendo um comportamento diferente do seu normal me chamou a atenção naquela manhã e isso poderia significar sérios problemas para todos nós.

A meteorologia estava adequada para o vôo. Havia previsão de chuvas isoladas em Canoas a partir das dez horas da manhã. Contudo, se tudo funcionasse conforme o cronograma da missão, já estaríamos no solo, pousados às nove e meia. Na área de treinamento, sobre o mar, no litoral de Torres, a previsão era de tempo bom durante todo o dia.

Os aviões estavam em boas condições. Apenas algumas discrepâncias aceitáveis em sistemas secundários, sem influência na segurança de vôo.

Seguimos para a linha de vôo conversando sobre os resultados das missões anteriores e apostando quem teria o melhor índice de acerto naquele dia. O Mac, que pilotaria o reboque, já estava dentro de seu avião, aguardando.

– Beta Centauro livre acionamento. Temperatura dezoito graus. Chame para o taxi.

Cinco aeronaves de caça acionando ao mesmo tempo. Ruído infernal. O trabalho rápido e preciso dos mecânicos garante a operacionalidade e a nossa segurança.

Seguimos para a cabeceira da pista. Enquanto o pessoal do armamento armava e fazia a inspeção final das nossas metralhadoras, podíamos ver o reboque, o Mac acelerando na decolagem. Preso ao seu avião por um cabo, seguia o alvo, arrastando pela pista. Já com velocidade desenvolvida, por volta de 115 nós, ele “arrancou” o avião do solo, recolheu o trem de pouso e continuou a subida em ângulo agressivo, levando com ele o cabo e o alvo tremulando ao vento.

O alvo do tiro aéreo, ou biruta, como é usualmente chamado, é feito de nylon branco e tem forma retangular de aproximadamente 10 metros por 2 metros. No centro da metade anterior do alvo existe o desenho de um de círculo preto, o “olho de boi”. O retângulo de tecido é mantido esticado verticalmente por uma haste metálica equipada com um peso em uma das suas extremidades e duas rodas metálicas. As pequenas rodas metálicas ajudam o conjunto a correr sobre a pista na decolagem, enquanto o peso serve para manter a sua posição vertical durante o vôo. O alvo é preso ao avião por um cabo de 300 metros.

O cabo é conectado ao alvo por tiras de tecido presas na haste vertical do alvo. A outra ponta do cabo é equipada com um gancho que é engatado a um parafuso no freio aerodinâmico (speed brake), localizado na parte inferior da fuselagem (na “barriga” da aeronave). Dessa forma, enquanto o freio aerodinâmico está fechado, não há como o gancho se soltar do parafuso. Quando o freio aerodinâmico é aberto, o gancho solta-se do parafuso e o alvo, junto com o cabo, separa-se da aeronave, caindo no solo. Essa manobra é utilizada no retorno, quando o rebocador libera o alvo em uma passagem baixa sobre a pista. O pessoal do armamento recolhe o alvo e o leva para a inspeção dos acertos pelos pilotos.

A contagem é feita de modo simples, mas eficiente. Cada piloto da esquadrilha tem suas balas pintadas de uma cor. Quando uma dessas balas atravessa o alvo, fica o buraco com as bordas pintadas da cor da bala. Assim, depois da missão, é só uma questão de “contar” os acertos da mesma cor. Um juiz escalado entre os oficiais da competição garante a precisão dos resultados.

– Torre Canoas, Beta Centauro, posição dois, pronto para decolagem.

– Beta Centauro, livre posição três e decolagem, vento 060 com 10 nós.

Seguimos para a pista, fizemos os procedimentos finais e decolamos.

Após a reunião, prosseguimos em formatura de 4 aviões para a área do exercício. No caminho, aproveitávamos para apreciar a paisagem da Lagoa dos Patos no horizonte e repassar mentalmente as técnicas do treinamento.

O tiro aéreo é um exercício extremamente dinâmico e perigoso. Quatro aeronaves com armamento real circulam entre doze e dez mil pés, caindo no mergulho uma de cada vez e atirando rajadas de balas em um alvo pequeno rebocado por um cabo de apenas 300 m, preso a uma aeronave voando a 165 nós sobre o oceano gelado.

As aeronaves que atiram estão a 300 nós e passam a poucos metros do alvo e do rebocador na recuperação. Ou seja, existem inúmeras coisas que podem dar erradas: pane de motor, colisão com o alvo, colisão com o rebocador, tiros reais atingindo o rebocador, entre outras coisas.

A concentração precisa estar no máximo. Não há lugar para erros. Sabemos o preço de um deles. Dezenas de pilotos já tiveram essa infelicidade.

Assim que chegamos ao litoral, já avistamos o Mac e o alvo. Tudo parecia normal, mas alguma coisa estranha, um sentimento diferente, ainda mantinha a esquadrilha em estado anormal de tensão. Podíamos sentir nas nossas vozes nos contatos pelo rádio.

– Reboque, Beta em posição.

– Beta, Reboque pronto, livre tiro.

O líder caiu no mergulho para a primeira rajada. O tiro tem de ser feito sempre de cima para baixo e nunca a menos de quinze graus de ângulo de apresentação. Após a rajada, ele passou ao lado do Reboque e subiu para o “puleiro”, a posição de espera, encaixando-se em último da fila.

Durante a subida de retorno do líder, o número dois, caiu no mergulho, e assim por diante, para os quatro aviões. Essa ciranda de aviões continuou por dez “passes” (ciclos), quando o Reboque teve de fazer uma curva de 180 graus para ficar dentro da área.

No momento que o Mac fazia a curva de retorno o controle chamou:

– Beta Centauro, o campo agora opera por instrumentos com chuva leve e previsão de fechamento em 15 minutos. CB ao sul do aeródromo.

– Controle, Beta Centauro ciente, retornando.

– Controle ciente, suba para 15 mil no corredor de entrada. Chame para a descida.

– Beta Centauro, para 15 mil, chamará para descida.

Para a esquadrilha, o fato da meteorologia ter mudado em Canoas era preocupante, mas sabíamos que podíamos acelerar para 300 ou 350 nós e chegar ao campo ainda dentro da previsão de fechamento. Já para o Mac a situação era mais complexa. Com a velocidade limitada em 165 nós devido ao alvo preso ao freio aerodinâmico, ele tinha duas escolhas: alijar o alvo sobre o oceano ou arriscar chegar em Canoas com o campo fechado e sem combustível para ir para outro lugar.

– Mac, eu recomendo alijar o alvo. O que você acha? Perguntou Matta.

Depois de alguns segundos, Mac respondeu.

– Não. Eu vou prosseguir com o alvo e fazer a entrega (lança-lo sobre a pista).

– OK. Disse Matta. Estamos livrando a área. Boa sorte!

Reunimos a esquadrilha em formação básica, aceleramos para 350 nós e prosseguimos para pouso.

Quando próximos do aeroporto, pudemos ver o tamanho da formação (CB = Cumulus Nimbus). Era enorme. Não conseguíamos nem ver o topo. Logo entramos nas nuvens mais baixas. Voávamos colados em formação. Havia muita turbulência. O Matta chamou pelo rádio.

– Mac, a coisa aqui está preta. Deixe o alvo por aí e acelere.

– Eu já estou sobre a terra. Respondeu Mac. Não posso mais alijar.

Fez-se um silêncio de preocupação. Já tínhamos passado várias vezes por situações de campo operando IFR em Canoas. Provavelmente eram aquelas experiências que o Mac estava levando em consideração. Contudo, aquele dia estava muito pior do que tudo o que já tínhamos visto por lá.

Separamos os elementos e conseguimos pousar com dificuldade devido ao vento de rajada e à baixíssima visibilidade. O segundo elemento teve que aproximar com o auxílio do Radar de Precisão (PAR).

A chuva castigou a base assim que pousamos. Preocupados, ficamos os quatro, encharcados, parados na porta do hangar, esperando ver o Mac pousar.

Não víamos quase nada. Só chuva, vento e nuvens baixas. Os mecânicos e outros pilotos se juntaram a nós.

Depois de longos minutos, ouvimos o ruído característico do motor Viper Bristol do Xavante aproximando. Não dava para ver o avião mas, de repente, o alvo caiu “dos céus”, surgindo entre as nuvens e muita água. Era uma cena surrealista.

Ele caiu com espirrando barro e grama, bem no meio do canteiro entre a pista principal e a pista de táxi.

O ruído do jato desapareceu no vento. Mais minutos de agonia. Sabíamos que o combustível do Mac daria apenas para dois procedimentos curtos de aproximação. Mais uma vez ouvimos o ruído se aproximar e depois afastar-se no vento.

– Uma aproximação perdida. Disse o Marino olhando para cima, para as nuvens, e com o rosto molhado pelas gotas de chuva.

Ninguém respondeu nada. Os bombeiros se posicionaram na pista.

A chuva não dava nenhuma trégua.

Mais uma vez o ruído surgiu. Dessa vez calou-se repentinamente.

– Ele caiu!

Todos esperamos pela explosão da ejeção e/ou da queda do avião. Ao invés disso, vimos o avião do Mac surgir correndo com o motor apagado (sem combustível) na pista principal. Ele tinha perdido o motor no cruzamento da cabeceira, já sobre a pista, durante a sua última tentativa de um procedimento PAR (radar de precisão) comandada brilhantemente por um controlador de Canoas.

O Mac e o seu avião foram salvos pela habilidade do controlador, que transmitiu todos os comandos de correção de posição de rampa e alinhamento perfeitamente executados pelo Mac.

O avião foi rebocado da pista para o hangar e todos nós aprendemos mais uma lição.

Marcos Pontes
Colunista, conferencista, pesquisador, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).
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