O
café da manhã foi comum, ovos mexidos, salsichas
ao molho, pão, queijo, suco de laranja. Saímos
do rancho conversando sobre o jogo de futebol da noite passada
e a paranóia da namorada do Motta que ligou vinte e
três vezes para o cassino durante as duas horas que
jogamos na quadra desenhada no hangar.
Para quem não sabe, “rancho” é como
chamamos o restaurante da Base Aérea. Da mesma forma,
“cassino” não tem nada a ver com aquele
lugar cheio de luzes, fichas e pessoas jogando roleta e pôquer.
Cassino é o hotel da Base.
Estávamos
na Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul. Era
o treinamento anual de Tiro Aéreo do Esquadrão
Centauro, o 3º/10º Grupo de Aviação.
Nossa casa, Santa Maria, RS, não era longe, apenas
20 minutos de vôo de Xavante, AT-26 (Aermacchi 326).
Naquela época, em 1987, o velho jato ainda cumpria
bem sua função de treinamento e ataque ao solo
dentro da Força Aérea. Todos nós, pilotos
de caça, Centauros dos Pampas, conhecíamos bem
aquela máquina, dentro da qual permanecíamos,
pelo menos, por 200 horas de vôo a cada ano.
O treinamento de tiro aéreo era uma das fases previstas
no plano de treinamento anual do esquadrão e precisava
ser feito sobre o mar, em um local adequado, protegido pela
Marinha da presença de embarcações que,
caso ali estivessem, poderiam ser atingidas por nossos tiros
“caindo do céu” como uma chuva de chumbo!
A campanha de tiro aéreo era um evento muito esperado
por todos os pilotos. Decolávamos de Santa Maria com
praticamente todos os aviões disponíveis na
linha de vôo. Ficavam apenas aqueles que estavam no
hangar da manutenção e alguns reservas. Além
dos Xavantes, também trazíamos um avião
de apoio carregado com equipamentos usados para o treinamento,
como alvos, cabos de reboque, tinta, metralhadoras .50 e muita
munição. Além disso, vinham também
todos os materiais usuais de manutenção e toda
a equipe de solo. Uma grande operação logística.
O treinamento ocorria ao longo de 25 dias, em média,
durante os quais ficavam hospedados na Base de Canoas cerca
de 20 pilotos, 10 mecânicos, 10 especialistas de armamento,
10 homens de apoio, 12 Xavantes, e muita vontade de vencer
a competição.
No
caminho do rancho para o hangar, além das gozações
com a performance do Motta no jogo de futebol e o desespero
de sua namorada, que provavelmente achava que ele estava passeando
em Porto Alegre com alguma gaúcha tipo “top model”,
também falávamos sobre como seria a missão
daquela manhã.
–
Atenção para não atirar enfiado, sem
ângulo, atrás do alvo! – dizia Motta ilustrando
a posição com as mãos imitando o alvo
e o avião – O Portz quase me acertou quando eu
estava rebocando ontem!
– Tem razão! Vamos ter cuidado com a segurança!
Nada de “faca na boca” no circuito de tiro! –
completou Matta, que era o piloto mais experiente da esquadrilha.
– Por falar em segurança, alguém já
viu a previsão meteorológica para a área
esta manhã? – perguntei.
Todos se entreolharam, mas não houve resposta.
Nossa
conversa era interrompida de tempos em tempos pelo ruído
dos jatos decolando e pousando em esquadrilhas de quatro aviões.
O ar agradável da manhã de céu azul,
típica do inverno dos Pampas, nos enchia de prazer
e expectativa de um bom vôo, mas naquele dia, havia
um “friozinho incomum na barriga”. A medida que
nos aproximávamos do hangar, o assunto ia se concentrando
nas técnicas, procedimentos e possibilidades do vôo
que estávamos para realizar. A esquadrilha estava quase
toda ali, caminhando junto, já em preparação
para o que aconteceria no ar: eu (o número 3, ala direito,
da esquadrilha), o Matta (o líder), o Motta (o número
2, ala esquerdo) e o Marino (número 4, o ferrolho).
Faltava apenas o Mac, que voaria o avião reboque do
alvo.
Chegamos
ao hangar quinze minutos antes do horário previsto
para o briefing. A movimentação era intensa.
Tratores puxando pesadas fontes externas (geradores de energia
elétrica movidos a Diesel, para a partida dos aviões),
caminhões de combustível, carretas carregadas
de munição, mecânicos, etc.
Subimos
a escada lateral do hangar em direção ao “Teto
Zero”, que era o bar/lanchonete do Esquadrão
Pampa, o 1º/14º Grupo de Aviação,
que era o dono da casa. O nome “Teto Zero” se
referia à condição meteorológica
de campo fechado, ou seja, a situação quando
não há condições (teto ou visibilidade)
suficientes para o vôo. Isso não era uma condição
rara naquele lugar, de forma nenhuma. Assim, era muito comum
prepararmos para os vôos e ficarmos aguardando na lanchonete
por horas até que as condições melhorassem
e pudéssemos decolar para cumprir as missões.
Isso não era ruim. O pior acontecia quando o tempo
na base “virava” de repente durante o vôo,
nos deixando com pouco combustível e um grande problema
para conseguir pousar. Infelizmente isso também era
comum naquele lugar.
O
Teto Zero era bem equipado. Mesas de madeira pesada, jogos
de gamão, televisão, sofás de couro em
estilo rústico, muito comuns no Rio Grande do Sul,
e muitos objetos típicos da tradição
gaúcha. Não faltavam cuias de chimarrão!
Nas paredes, fotos de momentos antigos da história
do esquadrão, pinturas retratando o F-5E Tiger (avião
que equipava o Esquadrão Pampa) em operação,
poesias e frases sobre a missão de ser piloto de combate.
No bar ficavam as canecas de chopp dos pilotos locais, cada
uma delas pintada com o “trigrama” individual
do seu dono, todas penduradas e cuidadosamente alinhadas.
Os trigramas eram conjuntos de três letras que serviam
para identificar o piloto na escala de vôo. O meu, por
exemplo, era “PTE” (Pontes), o do Motta era “MOT”,
e assim por diante.
Ali,
naquele lugar, eram bebidas as vitórias, os aniversários,
comemorados os momentos bons e lamentadas as mortes dos companheiros.
A vida profissional de um piloto de caça é intensa.
Trabalhamos na administração da base ou do esquadrão,
estudamos para nos manter atualizados com a tecnologia dos
aviões, treinamos para as missões em condições
que se assemelham ao combate, procuramos nos manter fisicamente
preparados para as duras provas às quais os nossos
corpos são submetidos durante o vôo de combate,
cuidamos da segurança para nos mantermos vivos perante
os inúmeros riscos, inerentes da atividade. Mesmo assim,
com todos os procedimentos e cuidados diários, eventualmente
um acidente acontece. Sempre existe uma possibilidade que
não foi coberta, um segundo de distração,
uma peça que não resistiu, um urubu descuidado.
Convivemos com o perigo e suas conseqüências. A
morte bebe conosco, assim como a nossa coragem em cumprir,
com ou sem ela, a nossa missão pelo país. Com
tudo isso, somos um grupo muito unido, vivemos cada momento,
comemoramos juntos a vida e a amizade, sabemos o valor de
cada segundo de convivência, sabemos do verdadeiro significado
da palavra “amigo”.
–
Cadê o Mac? – perguntou Matta.
– Ele estava no café – respondeu Marino.
– Chegou quando já estávamos nos preparando
para sair do rancho.
– OK! Então, vamos lá. Pontes, dê
uma checada na meteorologia. Marino, ligue para a casa de
pista para pegar o número dos aviões. Motta,
ligue para a sala de tráfego e passe o plano de vôo,
padrão. – comandou Matta. – Alguma dúvida?
Nos reunimos na sala de briefing em dez minutos.
Todos
nós conhecíamos a rotina perfeitamente. Não
havia dúvidas. Ninguém perguntou nada. Cada
um foi cumprir a sua tarefa.
Depois
de dez minutos estávamos todos sentados na sala de
briefing. Todos menos um, o Mac, que seria o rebocador de
alvo naquela manhã.
Quando
já nos preparávamos para começar a “busca”
pelo piloto perdido, o Mac entrou afobado, mas ainda sorridente,
pela porta.
–
Desculpe pessoal! Reboque em posição!
– OK! – disse Matta – Esquadrilha completa,
vamos para o briefing. Hoje nosso código de chamada
é Beta Centauro….– e ele continuou com
a rotina conhecida do briefing padrão de tiro aéreo
por mais trinta minutos.
No
final do briefing, como de costume, passamos pelo Teto Zero
para um café antes de descermos para a sala de equipamento
de vôo, onde ficavam os nossos capacetes, trajes anti-G,
etc. Mac não nos acompanhou. Desceu calado, direto
para o equipamento de vôo. O equipamento de vôo
padrão de um piloto de caça inclui o capacete
com máscara de oxigênio e microfone, luvas, prancheta,
o colete de sobrevivência e o traje anti-G, que se enche
de ar durante as manobras de forma proporcional ao fator de
carga (“G”), comprimindo as nossas pernas e abdome
para restringir a circulação sangüínea
periférica e nos ajudar a resistir melhor ao “G”.
Para aqueles que não estão acostumados com o
conceito de fator de carga (“G”), podemos dizer
que ele representa a aceleração à qual
estamos sujeitos em um determinado momento. Por exemplo, estando
em pé, parada na superfície da Terra, uma pessoa
está sujeita a aproximadamente 9.8 m/s2 de aceleração,
correspondente a uma vez a aceleração da gravidade
(1 “G”).
Quando eu estava no espaço, as condições
eram de praticamente ausência de gravidade, ou microgravidade.
Isto é, naquele caso, estávamos em zero “G”,
e o nosso peso era “zero” (lembrando da física
que o peso é igual a massa vezes a aceleração
da gravidade). Durante uma manobra de combate, em um avião
de caça, o fator de carga, ou aceleração
“G”, pode chegar até a 9 “G”
(como eu já fiz no F-16 Falcon). Isto é, o peso
de cada parte do nosso corpo é multiplicado por 9 durante
essas manobras. Não é praticamente possível
movimentar os braços ou a cabeça nessas condições.
O esforço físico e fisiológico são
enormes e mesmo com técnicas adequadas de postura,
respiração e um ótimo condicionamento
físico, ainda é muito difícil manter
o fluxo de sangue na cabeça em valor adequado para
manter a visão e a consciência em funcionamento
normal. Note que a aceleração “G”
longitudinal (da cabeça para os pés) no corpo
tende a “empurrar” o sangue para as pernas, reduzindo
a circulação na cabeça e, em conseqüência
também a oxigenação do cérebro
e dos olhos. Assim, o traje anti-G nos ajuda a resistir a
essa tendência e manter algum fluxo para a cabeça,
aumentando, em média, de 1.5 “G” o nosso
limite de resistência antes da perda de consciência.
Como referência, uma pessoa sem treinamento resiste
a 6 “G” de aceleração longitudinal
durante 6 segundos, antes de perder a consciência.
Quando
chegamos no equipamento de vôo, o Mac já havia
saído de lá.
–
O Mac está estranho hoje – comentei – Alguém
sabe de alguma coisa que está acontecendo com ele?
Como
gerente de segurança de vôo do esquadrão,
responsável por criar e implementar planos de prevenção
de acidentes, assim como por investigar acidentes e incidentes
no âmbito do esquadrão e na aviação
civil, eu sabia que grande parte dos acidentes aéreos
eram causados por pilotos “voando com a cabeça
fora da cabine”. Isto é, a atividade de pilotagem
é bastante exigente mental e fisicamente. Isso obriga
que, a partir do momento em que colocamos os pés no
avião, toda a nossa atenção tem de estar
concentrada na nossa atividade de pilotagem. Tudo mais que
pode distrair o nosso pensamento para longe do painel, como
problemas pessoais, planos futuros, etc, deve ficar no solo.
O fato do Mac estar tendo um comportamento diferente do seu
normal me chamou a atenção naquela manhã
e isso poderia significar sérios problemas para todos
nós.
A
meteorologia estava adequada para o vôo. Havia previsão
de chuvas isoladas em Canoas a partir das dez horas da manhã.
Contudo, se tudo funcionasse conforme o cronograma da missão,
já estaríamos no solo, pousados às nove
e meia. Na área de treinamento, sobre o mar, no litoral
de Torres, a previsão era de tempo bom durante todo
o dia.
Os
aviões estavam em boas condições. Apenas
algumas discrepâncias aceitáveis em sistemas
secundários, sem influência na segurança
de vôo.
Seguimos para a linha de vôo conversando sobre os resultados
das missões anteriores e apostando quem teria o melhor
índice de acerto naquele dia. O Mac, que pilotaria
o reboque, já estava dentro de seu avião, aguardando.
– Beta Centauro livre acionamento. Temperatura dezoito
graus. Chame para o taxi.
Cinco
aeronaves de caça acionando ao mesmo tempo. Ruído
infernal. O trabalho rápido e preciso dos mecânicos
garante a operacionalidade e a nossa segurança.
Seguimos
para a cabeceira da pista. Enquanto o pessoal do armamento
armava e fazia a inspeção final das nossas metralhadoras,
podíamos ver o reboque, o Mac acelerando na decolagem.
Preso ao seu avião por um cabo, seguia o alvo, arrastando
pela pista. Já com velocidade desenvolvida, por volta
de 115 nós, ele “arrancou” o avião
do solo, recolheu o trem de pouso e continuou a subida em
ângulo agressivo, levando com ele o cabo e o alvo tremulando
ao vento.
O
alvo do tiro aéreo, ou biruta, como é usualmente
chamado, é feito de nylon branco e tem forma retangular
de aproximadamente 10 metros por 2 metros. No centro da metade
anterior do alvo existe o desenho de um de círculo
preto, o “olho de boi”. O retângulo de tecido
é mantido esticado verticalmente por uma haste metálica
equipada com um peso em uma das suas extremidades e duas rodas
metálicas. As pequenas rodas metálicas ajudam
o conjunto a correr sobre a pista na decolagem, enquanto o
peso serve para manter a sua posição vertical
durante o vôo. O alvo é preso ao avião
por um cabo de 300 metros.
O
cabo é conectado ao alvo por tiras de tecido presas
na haste vertical do alvo. A outra ponta do cabo é
equipada com um gancho que é engatado a um parafuso
no freio aerodinâmico (speed brake), localizado na parte
inferior da fuselagem (na “barriga” da aeronave).
Dessa forma, enquanto o freio aerodinâmico está
fechado, não há como o gancho se soltar do parafuso.
Quando o freio aerodinâmico é aberto, o gancho
solta-se do parafuso e o alvo, junto com o cabo, separa-se
da aeronave, caindo no solo. Essa manobra é utilizada
no retorno, quando o rebocador libera o alvo em uma passagem
baixa sobre a pista. O pessoal do armamento recolhe o alvo
e o leva para a inspeção dos acertos pelos pilotos.
A
contagem é feita de modo simples, mas eficiente. Cada
piloto da esquadrilha tem suas balas pintadas de uma cor.
Quando uma dessas balas atravessa o alvo, fica o buraco com
as bordas pintadas da cor da bala. Assim, depois da missão,
é só uma questão de “contar”
os acertos da mesma cor. Um juiz escalado entre os oficiais
da competição garante a precisão dos
resultados.
–
Torre Canoas, Beta Centauro, posição dois, pronto
para decolagem.
–
Beta Centauro, livre posição três e decolagem,
vento 060 com 10 nós.
Seguimos
para a pista, fizemos os procedimentos finais e decolamos.
Após
a reunião, prosseguimos em formatura de 4 aviões
para a área do exercício. No caminho, aproveitávamos
para apreciar a paisagem da Lagoa dos Patos no horizonte e
repassar mentalmente as técnicas do treinamento.
O
tiro aéreo é um exercício extremamente
dinâmico e perigoso. Quatro aeronaves com armamento
real circulam entre doze e dez mil pés, caindo no mergulho
uma de cada vez e atirando rajadas de balas em um alvo pequeno
rebocado por um cabo de apenas 300 m, preso a uma aeronave
voando a 165 nós sobre o oceano gelado.
As
aeronaves que atiram estão a 300 nós e passam
a poucos metros do alvo e do rebocador na recuperação.
Ou seja, existem inúmeras coisas que podem dar erradas:
pane de motor, colisão com o alvo, colisão com
o rebocador, tiros reais atingindo o rebocador, entre outras
coisas.
A
concentração precisa estar no máximo.
Não há lugar para erros. Sabemos o preço
de um deles. Dezenas de pilotos já tiveram essa infelicidade.
Assim
que chegamos ao litoral, já avistamos o Mac e o alvo.
Tudo parecia normal, mas alguma coisa estranha, um sentimento
diferente, ainda mantinha a esquadrilha em estado anormal
de tensão. Podíamos sentir nas nossas vozes
nos contatos pelo rádio.
–
Reboque, Beta em posição.
– Beta, Reboque pronto, livre tiro.
O
líder caiu no mergulho para a primeira rajada. O tiro
tem de ser feito sempre de cima para baixo e nunca a menos
de quinze graus de ângulo de apresentação.
Após a rajada, ele passou ao lado do Reboque e subiu
para o “puleiro”, a posição de espera,
encaixando-se em último da fila.
Durante
a subida de retorno do líder, o número dois,
caiu no mergulho, e assim por diante, para os quatro aviões.
Essa ciranda de aviões continuou por dez “passes”
(ciclos), quando o Reboque teve de fazer uma curva de 180
graus para ficar dentro da área.
No
momento que o Mac fazia a curva de retorno o controle chamou:
–
Beta Centauro, o campo agora opera por instrumentos com chuva
leve e previsão de fechamento em 15 minutos. CB ao
sul do aeródromo.
– Controle, Beta Centauro ciente, retornando.
– Controle ciente, suba para 15 mil no corredor de entrada.
Chame para a descida.
– Beta Centauro, para 15 mil, chamará para descida.
Para
a esquadrilha, o fato da meteorologia ter mudado em Canoas
era preocupante, mas sabíamos que podíamos acelerar
para 300 ou 350 nós e chegar ao campo ainda dentro
da previsão de fechamento. Já para o Mac a situação
era mais complexa. Com a velocidade limitada em 165 nós
devido ao alvo preso ao freio aerodinâmico, ele tinha
duas escolhas: alijar o alvo sobre o oceano ou arriscar chegar
em Canoas com o campo fechado e sem combustível para
ir para outro lugar.
–
Mac, eu recomendo alijar o alvo. O que você acha? Perguntou
Matta.
Depois de alguns segundos, Mac respondeu.
– Não. Eu vou prosseguir com o alvo e fazer a
entrega (lança-lo sobre a pista).
– OK. Disse Matta. Estamos livrando a área. Boa
sorte!
Reunimos
a esquadrilha em formação básica, aceleramos
para 350 nós e prosseguimos para pouso.
Quando
próximos do aeroporto, pudemos ver o tamanho da formação
(CB = Cumulus Nimbus). Era enorme. Não conseguíamos
nem ver o topo. Logo entramos nas nuvens mais baixas. Voávamos
colados em formação. Havia muita turbulência.
O Matta chamou pelo rádio.
–
Mac, a coisa aqui está preta. Deixe o alvo por aí
e acelere.
– Eu já estou sobre a terra. Respondeu Mac. Não
posso mais alijar.
Fez-se
um silêncio de preocupação. Já
tínhamos passado várias vezes por situações
de campo operando IFR em Canoas. Provavelmente eram aquelas
experiências que o Mac estava levando em consideração.
Contudo, aquele dia estava muito pior do que tudo o que já
tínhamos visto por lá.
Separamos
os elementos e conseguimos pousar com dificuldade devido ao
vento de rajada e à baixíssima visibilidade.
O segundo elemento teve que aproximar com o auxílio
do Radar de Precisão (PAR).
A
chuva castigou a base assim que pousamos. Preocupados, ficamos
os quatro, encharcados, parados na porta do hangar, esperando
ver o Mac pousar.
Não víamos quase nada. Só chuva, vento
e nuvens baixas. Os mecânicos e outros pilotos se juntaram
a nós.
Depois
de longos minutos, ouvimos o ruído característico
do motor Viper Bristol do Xavante aproximando. Não
dava para ver o avião mas, de repente, o alvo caiu
“dos céus”, surgindo entre as nuvens e
muita água. Era uma cena surrealista.
Ele caiu com espirrando barro e grama, bem no meio do canteiro
entre a pista principal e a pista de táxi.
O
ruído do jato desapareceu no vento. Mais minutos de
agonia. Sabíamos que o combustível do Mac daria
apenas para dois procedimentos curtos de aproximação.
Mais uma vez ouvimos o ruído se aproximar e depois
afastar-se no vento.
–
Uma aproximação perdida. Disse o Marino olhando
para cima, para as nuvens, e com o rosto molhado pelas gotas
de chuva.
Ninguém
respondeu nada. Os bombeiros se posicionaram na pista.
A
chuva não dava nenhuma trégua.
Mais
uma vez o ruído surgiu. Dessa vez calou-se repentinamente.
–
Ele caiu!
Todos
esperamos pela explosão da ejeção e/ou
da queda do avião. Ao invés disso, vimos o avião
do Mac surgir correndo com o motor apagado (sem combustível)
na pista principal. Ele tinha perdido o motor no cruzamento
da cabeceira, já sobre a pista, durante a sua última
tentativa de um procedimento PAR (radar de precisão)
comandada brilhantemente por um controlador de Canoas.
O
Mac e o seu avião foram salvos pela habilidade do controlador,
que transmitiu todos os comandos de correção
de posição de rampa e alinhamento perfeitamente
executados pelo Mac.
O
avião foi rebocado da pista para o hangar e todos nós
aprendemos mais uma lição.
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